sexta-feira, 22 de maio de 2009

Sindicatos som um impedimento à introduçom da renda básica?

Yannick Vanderborght

Na maioria de países da OECD, os sindicatos continuam a ser umha peça-chave para a reforma do estado do bem-estar. É por isso que surpreende que quem propõem umha Renda Básica (RB) universal tenham dado tam pouca atençom à posiçom dos sindicatos dos trabalhadores sobre a reforma que promovem.

Este artigo incide nesta questom de duas atitudes complementares. Na primeira parte, resumo alguns dos motivos que poderiam ter os sindicatos para opor-se a defender umha RB. Na segunda parte, utilizo informaçom empírica recolhida na Bélgica e na Holanda para avaliar a solidez das assunções teóricas. O objectivo último desta exploraçom é prospectiva: devem facilitar os sindicatos a introduçom gradual de umha RB nos países da OECD?

1. O que a teoria prediz?

Em favor do debate, assumirei aqui sem discussom que um esquema generoso de RB substituiria os esquemas actuais dos ingressos mínimos, o grosso de créditos e isenções fiscais e integraria-se com os subsídios familiares e, se proceder, com os regimes de pensom básicos. Quanto à segurança social, a RB substituiria a parte mínima dos ingressos por subsídios de desemprego, invalidez e jubilaçom. A renda base que proporcionaria seria complementada por benefícios relacionados com os ingressos, desenhados para cobrir a diferença entre a RB e os níveis de subsídios actuais. Deveriam defender os sindicatos esta reforma tam radical?

1.a. Razões para defender a RB

° Greves coletivas. Se o nível de RB é suficiente, umha parte desta renda se poderia destinar facilmente financiar greves. Em primeiro lugar, o sindicato poderia «gravar» regularmente a RB dos membros com o fim de aumentar os seus fundos para greves e aumentar o poder relativo dos trabalhadores dentro da empresa ou delegaçom. Em segundo lugar, inclusive em ausência deste mecanismo, a RB faria com que cada indivíduo pudesse fazer greve sem que isso tivesse conseqüências económicas tam graves, dado que os trabalhadores continuariam a ter direito a uns ingressos fora do mercado de trabalho. Que figessem greve poderiam fazer frente a seus empresários durante mais tempo.

° Poder de negociaçom individual. A RB forneceria também aos trabalhadores umha verdadeira opçom de saída, confiável e incondicional, e reforçaria o seu poder de negociaçom individual. Mesmo que a primeira fonte de ingressos continue a ser o trabalho assalariado, a existência da RB garante que sempre se poderám beneficiar de uns ingressos básicos, o que os poderia ajudar a negociar um salário mais elevado, inclusive na ausência de umha acçom colectiva, como umha greve.

° Melhores postos de trabalho. O primeiro e o segundo motivo para defender a RB estám ambos relacionados com os recursos de poder que forneceria aos trabalhadores, tanto individual quanto colectivamente. O terceiro é umha conseqüência directa dos dous primeiros motivos. A perspectiva de conflitos de longa duraçom com os sindicatos e a existência de umha opçom de saída força os empresários a melhorar as condições de trabalho de maneira preventiva e fazer as tarefas mais atractivas.

° Compartilhar o posto de trabalho. A política de RB é coerente com compartilhar o posto de trabalho, um objectivo que foi aprovado por vários sindicatos da Europa. A RB fai mais fácil para os trabalhadores pegar trabalhos de meia jornada, ou inclusive deixar os seus postos de trabalho temporariamente e pegar temporadas sabáticas, porque a perda de ingressos se compensa em parte polo pagamento garantido de um subsídio incondicional . Por conseqüência, umha RB ajudaria a criar postos de trabalho sem prejudicar a posiçom de quem já têm um trabalho.

° O fim da exploraçom? Num nível mais geral, Van Parijs e Van der Veen argumentárom que umha RB abriria «umha via capitalista para o comunismo» (1). Segundo a sua opiniom (daquele momento), as sociedades capitalistas já chegárom a etapa de «abundáncia débil», e a introduçom gradativa de umha RB permitiria os trabalhadores saltar a etapa do socialismo e ir directamente ao estabelecimento de umha sociedade comunista. Neste quadro de trabalho, subir o nível de ingressos garantidos a um nível máximo estaria em linha com o critério marxiano «de cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades ». Neste palco, evidentemente, a exploraçom nom só se reduziria com o aumento do poder de negociaçom dos trabalhadores, tanto individual quanto colectivo, mas simplesmente desapareceria.

° Salários mais baixos. Mesmo que nos pudéssemos imaginar que os salários aumentariam na parte da esfera de distribuiçom dos ingressos assim que paga, nom se produziria, necessariamente, um aumento generalizado para a incorporaçom de umha RB, porque a sua posta em prática poderia comportar umha espiral descendente: os empresários poderiam começar a descer os salários, considerando que a RB é o complemento necessário para chegar ao nível do salário mínimo. Nestas circunstáncias, o salário mínimo seria um tema de debate.

° Flexibilidade e trabalhos precários. A RB facilitaria o trabalho a meia jornada: é este um caminho desejável de reforma? Quando se argumenta que os trabalhadores poderiam optar por trabalhar menos sempre que o nível mínimo de ingressos for suficiente, os defensores da RB falam das oportunidades. Mas na maioria de casos, o trabalho a meia jornada e os horários flexíveis seriam umha imposiçom dos empresários. Entom, a RB seria um amortecedor financiado polo governo, que suaviza os efeitos prejudiciais de um mercado de trabalho flexível.

° Auto-emprego. Às vezes argumenta-se que a RB oferece novas oportunidades para quem quigerem empreender o seu próprio negócio e trabalhar por conta própria. Por conseqüência, a sua introduçom poderia acelerar o descenso da mão de obra assalariada como núcleo das economias capitalistas. Por este mesmo motivo, a RB prejudicaria a base tradicional de acçom dos sindicatos.

° Actividades informais. Mais geralmente, a opçom de saída facilitada polos ingressos base incondicionais afectaria negativamente o centralismo cultural do trabalho remunerado. Se actualmente o trabalho é a principal fonte de reconhecimento social, com umha RB (elevada o bastante), todo tipo de actividades informais transformariam-se em opções financeiramente viáveis. Por conseqüência, receberiam a consideraçom social adequada e o trabalho assalariado perderia o seu papel principal. Os sindicatos de trabalhadores poderiam ver este desenvolvimento como umha ameaça à sua própria posiçom.

° Renovaçom da exploraçom? Mas talvez o motivo mais decisivo para opor-se à RB de umha perspectiva sindical é o feito de este esquema nom eliminar a exploraçom. O que faria, mais provavelmente, seria mudar a sua natureza. Para dizê-lo em poucas palavras, no caso de umha sociedade com RB, os vadios «explorariam os trabalhadores recebendo uns ingressos gerados (entre outros) pola actividade de quem decidiram trabalhar» (2). De feito, este foi o tema mais polémico de todos os debates filosóficos da proposta.

2. Que nos ensina o trabalho de campo?

Este artigo amostra que umha discussom em profundidade das vantagens e os inconvenientes da RB poderia criar confusom entre os representantes sindicais. Com o fim de esclarecer melhor os temas suscitados por umha lista estática de argumentos, resulta útil vê-lo na prática. Antes de começar, deveria fazer-se notar que, salvo algumhas excepções, a RB nunca foi um tema candente na agenda dos sindicatos, polo menos nos países da OECD. Como Ziegler e Jordan comentárom umha vez, falando da posiçom dos sindicalistas británicos frente a uns ingressos para os cidadãos, a proposta considerou-se amiúdo «umha possibilidade muito remota para que valha a pena tê-la em conta» (3). No entanto, é interessante procurar as «poucas excepções» em que sim se levou em conta, porque, nalguns casos, a RB foi comentada em profundidade polos representantes dos trabalhadores e, algumhas vezes, inclusive se aprovou de maneira oficial.

° A Bélgica: «Nom à Renda Básica!». Com um índice de sindicalismo de aproximadamente 85% (4), nom há dúvida que a Bélgica tem alguns dos sindicatos mais representativos da Europa Ocidental. As duas confederações principais, CSC e FGTB, continuam a ter muito poder na maioria de sectores da economia e estám implicadas em reformas substanciais do estado do bem-estar. A Bélgica também tivo um papel fundamental no debate sobre a RB. O primeiro congresso (1986) e o segundo congresso internacional (1988) sobre o tema realizárom-se na Bélgica sob o impulso de Philippe van Parijs. Com o cientista social Walter van Trier e outros, o autor da Real Freedom for All promoveu a ideia da RB muitas vezes, tanto em partes de fala francesa como em partes de fala flamenga do país.

Para dizê-lo em poucas palavras, poderíamos dizer que ninguém é profeta no seu próprio país. Os principais sindicatos belgas nom mostrárom nunca interesse pola RB, e quando o têm feito expressárom opiniões contrárias. Do começo do debate em meados da década de oitenta, a principal confederaçom (CSC) atacou isso que chamava de umha «utopia absurda e preocupante». Depois que quase vinte anos de debate, alguns destacados sindicalistas ainda se encontram entre os oponentes mais radicais na RB. Em 2002, a CSC publicou um relatório com umha secçom intitulada «Nom à RB!».

Que têm os sindicalistas belgas em contra desta proposta? Polo menos devemos mencionar três preocupações:

Temem que a RB dificultaria mais as negociações com os seus empresários para conseguir umha elevaçom do salário, porque funcionaria como um subsídio salarial indirecto. Os empresários enviárom os representantes sindicais de novo à Administraçom, a dizer que figessem pressom aos políticos para conseguir umha elevaçom do nível da RB. Em resumo, a RB afectaria negativamente o poder relativo dos trabalhadores, especialmente se se tivesse que relacionar com a aboliçom da legislaçom sobre o salário mínimo.

- Os representantes sindicais também expressam o seu compromisso com os esquemas selectivos e orientados. Vem estes esquemas como umha maneira melhor e mais eficiente de utilizar os recursos fiscais que se derivam maciçamente da tributaçom dos salários. Para facilitar umha RB equivalente ao nível de ingressos mínimos (aproximadamente, 600 euros / mês), dizem, poderiam-se subir os impostos substancialmente, o que é inaceitável para a maioria de trabalhadores. E se nom for assim, o sistema seria absurdamente ineficiente: alguns deveriam trabalhar duramente para custear um subsídio miserável.

Nom seria justo dizer que os sindicatos belgas só defendem os interesses de quem têm um posto de trabalho. A maioria destacam o feito com que deveria ajudar aos menos privilegiados, mas insistem em que os pobres necessitam algo mais que receber automaticamente umha RB. Na sua opiniom, este esquema seria o primeiro passo num caminho escorregadio: o desinvestimento em trabalho social seria legítima, e as autoridades públicas deterám progressivamente todos os programas dirigidos à integraçom social e profissional. Além disso, insistem, o trabalho remunerado continua a ser umha condiçom prévia fundamental para o reconhecimento social.


° A Holanda: um sindicato promove com decisom a Renda Básica. Os sindicatos holandeses nom fôrom nunca tam poderosos como os seus homólogos belgas no terreno de política social. No entanto, com um nível de sindicalismo de aproximadamente 30% e umha implicaçom directa em vários conselhos e comités a nível nacional, continuam a ser uns sócios importantes nas discussões sobre a reforma do estado do bem-estar. Wim Kok, um antigo líder da principal confederaçom sindical, FNV, foi primeiro-ministro entre 1994 e 2002.

Na década de oitenta e princípios de noventa, a RB estivo bastante presente nos temas de debate público na Holanda. Durante este período, o sindicato de trabalhadores do sector alimentar Voedingsbond FNV foi um dos promotores mais firmes da proposta da RB. Publicárom muitos folhetos e documentos a favor da proposta e organizárom oficinas de maneira habitual para dar luz aos seus membros. Ao ler estes folhetos, o sociólogo Rik van Berkel ficou «sobressaltado pola utopia dos supostos efeitos da RB [...]. Em resumo, Voedingsbond apresentava a RB como umha panaceia para os problemas da sociedade contemporánea »(5).

Desde o princípio da discussom, os líderes de Voedingsbond questionárom a ética trabalhista e o centralismo cultural do trabalho assalariado, a pedir umha reforma radical que forneceria reconhecimento social aos «que fazem um trabalho nom remunerado, nom têm ingressos nem status social» (6). Infelizmente, a perspectiva de umha RB nom fazia muita graça aos membros do sindicato. Era mais bem um debate vertical: a influência do pessoal com umha boa qualificaçom foi decisiva para a eleiçom da estratégia da RB. Como os mesmos líderes concediam depois, «fijo-se difícil mobilizar os membros para um objectivo tam abstracto e tam a longo prazo como é a RB». Esta perspectiva abstracta, principalmente defendida polo executivo, entrava em contradiçom com «os interesses mais concretos dos membros que viam na sua vida cotiá» (7). Além disso, a confederaçom FNV, à qual pertencia Voedingsbond, nom defendia a iniciativa. Como conseqüência disso, o debate foi-se debilitando e abandoou-se totalmente a princípios da década de 1990.

Conclusões

Chegados a este ponto, podem-se extrair duas conclusões destas investigações. Em primeiro lugar, as instituições e o contexto som importantes. Em países em que o sistema de bem-estar se basa maciçamente nas contribuições sociais mais do que nos impostos directos, cada passo para umha RB é vista como uma reforma radical. Através das contribuições dos trabalhadores, os sindicatos belgas e holandeses participam do financiamento e a gestom da segurança social. Que passaria, perguntam eles legitimamente, se o ministro das finanças se transformasse num actor-chave em política social? Na Bélgica, os sindicatos trabalham com os casos individuais dos trabalhadores desempregados. Isto também poderia explicar por que sempre olhárom suspeitosamente a implementaçom de um sistema de pagamento automático. Mais geralmente, no contexto de umha economia cada vez mais competitiva e num momento em que os governos estám a pedir um «estado de bem-estar mais activo», os sindicatos belgas e holandeses temem que esta reforma radical degenere necessariamente num cenário do pior dos casos: um desmantelamento do estado do bem-estar, nom umha culminaçom.

Em segundo lugar, parece que a introduçom de umha RB nom tem muito a oferecer à maioria de sindicalistas. Em tempos de reduções em sectores chave do sistema do bem-estar (pensões e seguros de saúde), é difícil convencer os trabalhadores que paguem um subsídio incondicional que beneficiará principalmente quem nom tem um trabalho. Nom é nengumha surpresa que dentro do sindicato holandês Voedingsbond a RB esteja defendida por membros desempregados (8). Na França, por exemplo, a RB foi defendida principalmente por organismos independentes, que se criárom na década de oitenta como resultado da incapacidade dos sindicatos de levar em conta as necessidades específicas dos desempregados.

Desta maneira, se ainda é certo que, como comentou uma vez Claus Offe, os ganhos para a classe média-alta representam «a condiçom prévia indispensável para fazer previdência social para os menos favorecidos (incluindo os segmentos menos privilegiados da classe trabalhadora) politicamente factível »(9), os defensores da RB deveriam começar a trabalhar para conseguir a conversom dos representantes sindicais por motivos éticos e, sobretudo, pragmáticos. Nom há dúvida que devem tentar promover qualquer debate sobre estes temas dentro dos sindicatos. Deveriam informar deste debate a esclarecer as vantagens e os inconvenientes dos pacotes de reformas, e ajudar os sindicatos a solucionar o dilema de "salários mais elevados frente a um nível de desemprego mais baixo». Porque mesmo que nom sejam aliados naturais de quem defendem a ideia da RB, os sindicatos continuam a ter um papel fundamental e continuam a ser uns sócios insubstituíveis.

Notas
(1) Van Parijs i Van der Veen, 1986.

(2) Reeve, 2003: 11.

(3) Ziegler i Jordan, 2001: 3.

(4) Font: Ebbinghaus i Visser, 2000 («densitat bruta en percentatge de treballadors dependents»).

(5) Van Berkel, 1994: 19.

(6) Lubbi, 1991: 15.

(7) Van Berkel et al., 1993: 22-24.

(8) Van Berkel, 1994: 20.

(9) Offe, 1992: 72.

Bibliografia
EBBINGHAUS, Bernhard i VISSER, Jelle (2000). Trade unions in Western Europe since 1945, Londres: Macmillan.

LUBBI, Greetje (1991). «Towards a full BI», Basic Income Research Group Bulletin, Londres, 12 (febrer del 1991), 15-16.

OFFE, Claus (1992). «A Non-Productivist Design for Social Policies». A: VAN PARIJS, P. [ed.]. Arguing for Basic Income: Ethical Foundations for a Radical Reform, Londres: Verso, 61-78.

REEVE, Andrew (2003). «Introduction». A: REEVE, A. i WILLIAMS, A. [eds.] (2003). Real Libertarianism Assessed: Political Theory after Van Parijs, Houndmills: Palgrave Macmillan, 1-14.

VAN BERKEL, Rik et al. (1993). Met z’n allen zwijgen in de woestijn. Een onderzoek naar het basisinkomen binnen de Voedingsbond FNV, Universiteit Utrecht: Vakgroep Algemene Sociale Wetenschappen.

VAN BERKEL, Rik (1994). «Basic Income as trade union policy», Citizen’s income Bulletin (Londres), 17 (Janeiro de 1994), 18-21.

VAN PARIJS, Philippe i VAN DER VEEN, Robert (1993) [1986]. «A capitalist road to communism». A: VAN PARIJS, Philippe. Marxism Recycled, Cambridge: Cambridge University Press, 155-75.

ZIEGLER, Rafael i JORDAN, Bill (2001). «The Trade Unions, Tax-Benefit Reform and Basic Income: Stumbling towards a Policy?», Citizen’s income Newsletter (Londres), 3a ediçom.


Yannick Vanderborght é investigador associado do Fundo Nacional de Pesquisa Científica e da cátedra Hoover (Universidad Católica de Lovaina, na Bélgica). Publicou o livro (escrito em colaboraçom com Philip Van Parijs) Renda básica de cidadania - Argumentos éticos e econômicos.

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