quinta-feira, 21 de maio de 2009

A financiarização do capital e a crise

John Bellamy Foster

Agora, em retrospectiva, poucos duvidam que a bolha imobiliária que induziu grande parte do recente crescimento da economia estado-unidense era obrigada a explodir ou que uma crise financeira geral e uma baixa económica global tinham de ser os seus resultados inevitáveis. Os sinais de advertência foram evidentes durante anos para todos aqueles não apanhados pela nova alquimia financeira da administração de dívidas de alto risco, e não cegados, como grande parte do mundo corporativo, pelos enormes lucros especulativos. Isto pode ser visto numa série de artigos publicados neste espaço [Montlhy Review]: The Household Debt Bubble (Maio/2006), A explosão da dívida e a especulação (Novembro/2006), Monopoly-Finance Capital (Dezembro/2006), e The Financialization of Capitalism (Abril/2007). Neste último escrevemos:

Tão crucial tem sido a bolha habitacional como contenção à estagnação e base para a financeirização, e tão estreitamente relacionada ela está com o bem estar básico das famílias dos EUA, que a actual fraqueza no mercado habitacional poderia precipitar tanto uma baixa económica aguda como o desordenamento financeiro generalizado. Novos aumentos nas taxas de juro têm o potencial para gerar um círculo vicioso com valores de casas estagnados ou mesmo em queda e o crescimento dos rácios do serviço da dívida dos consumidores conduzindo a uma inundação de incumprimentos. O facto de que o consumo nos EUA é a fonte nuclear da procura para a economia mundial levanta a possibilidade de que isto poderia contribuir para uma crise mais globalizada...

Em Setembro de 2006, no Global Financial Stability Report, o conselho de directores executivos do FMI exprimiu a preocupação de que o crescimento rápido dos hedge funds e dos créditos derivativos poderia ter um impacto sistemático sobre a estabilidade financeira, e que uma baixa da economia americana e um arrefecimento do seu mercado habitacional pudesse conduzir a maior "turbulência financeira", a qual poderia ser "amplificada no caso de choques inesperados". O contexto total é aquele de uma financeirização tão fora de controle que choques inesperados e severos para o sistema e os resultantes contágios financeiros são encarados como inevitáveis. (1)

Este cenário, que já estava a começar a desenrolar-se no momento em que a passagem acima foi escrita, de preços da habitação estagnados e em queda, de uma inundação de incumprimentos, e de uma crise económica global devido ao contágio financeiro e uma queda no consumo estado-unidense, agora tornou-se uma realidade concreta. Desde o colapso do mercado hipotecário subprime em Julho de 2007, a agonia e o pânico financeiros disseminaram-se incontrolavelmente não só através de países como também através dos próprios mercados financeiros, infectando um sector após outro: hipotecas com taxas ajustáveis, papel comercial (dívida corporativa a curto prazo não segurada), títulos de seguradoras, concessão de empréstimos hipotecários comerciais, empréstimos para automóveis, cartões de crédito e empréstimos para estudantes.

Bancos, hedge funds e mercados monetários estão todos sob assalto. Considerando a já fraca condição da produção dos EUA, não levou muito tempo para que esta desestruturação fosse registada com números negativos na economia "real": emprego em queda, consumo e investimento enfraquecidos, produção e lucros em baixa. A maior parte dos analistas económicos e de negócios agora acredita que uma máxima explosão da recessão esteja pela frente tanto em relação aos Estados Unidos como em relação à economia mundial, e pode já ter principiado. "A partir de agora", declarou em 25 de Fevereiro de 2008 Alan Greenspan, ex presidente do Federal Reserve Board, "o crescimento económico dos EUA é zero. Estamos à velocidade de estábulo". (2)

O que argumentaremos aqui é que não se trata apenas de um outro esmagamento maciço de crédito daquela espécie tão familiar na história do capitalismo, mas sinais de uma nova fase no desenvolvimento das contradições do sistema, as quais denominámos "capital monopolista-financeiro". A explosão de duas grandes bolhas financeiras em sete anos na cidadela do capitalismo aponta para uma crise de financiarização, ou da progressiva mudança do peso da produção para as finanças que tem caracterizado a economia ao longo das últimas quatro décadas.

Aquilo que Paul Sweezy, a pouco mais de uma década, chamou "a financiarização do processo de acumulação de capital" foi a força principal a levantar o crescimento económico a partir da década de 1970. (3) A transformação no sistema que isto provocou é reflectida no rápido crescimento desde os anos 1970 dos lucros financeiros como uma percentagem dos lucros totais (Ver Gráfico 1). O facto de que tal financiarização do capital pareça estar a tomar a forma de bolhas cada vez maiores que explodem mais frequentemente e com efeitos mais devastadores, ameaçando a cada momento um aprofundamento da estagnação — ou seja, a condição, endémica ao capitalismo maduro, de crescimento vagaroso e aumento da capacidade excedentária bem como do desemprego/sub-emprego — é portanto um desenvolvimento da máxima significância.



A cinco fases de uma bolha

Embora o declínio maciço do mercado de acções em 2000 parecesse pressagiar um sério declínio económico, as perdas dos negócios foram amortecidas e rupturas económicas mais vastas foram restringidas por uma bolha imobiliária — o que conduziu a apenas uma recessão relativamente menor em 2001. O analista financeiro Stephanie Pomboy, em MacroMavens, correctamente alcunhou isto em 2002 como "A grande bolha da transferência", na qual uma bolha especulativa no mercado hipotecário de casas milagrosamente compensou a explosão da bolha do mercado de acções. (4) O Fed, através de baixas taxas de juro e mudanças nas exigências de reservas dos bancos (as quais tornam mais fundos disponíveis) despejou capital maciçamente no mercado habitacional, a concessão de empréstimos hipotecários disparou, os preços habitacionais ascenderam e a hiper-especulação iniciou-se.

O que aconteceu seguiu o padrão clássico das bolhas especulativas ao longo da história do capitalismo, tão excelentemente descrita por Charles Kindleberger em Manias, Panics, And Crashes : lançamento de um novo produto, expansão do crédito, mania especulativa, aflição e crash/pânico. (5)

Novos lançamentos

Um novo lançamento poder ser um novo mercado, uma nova tecnologia revolucionária, um produto inovador, etc. (6) O novo lançamento neste caso foi a "titularização" de empréstimos hipotecários através de um novo instrumento financeiro conhecido como obrigação colaterizada de dívida (collateralized debt obligation, CDO). Desde a década de 1970 os bancos tem estado a unir empréstimos hipotecários individuais, utilizando o fluxo de caixa proporcionado por estes empréstimos para gerar títulos apoiados por hipotecas residenciais. Estes empréstimos titularizados, num desenvolvimento posterior, foram eles próprios re-empacotados na forma de Obrigações hipotecárias colaterizadas ("Collateralized Mortgage Obligations", CMOs). As CMOs eram compostas do que chamamos de "tranches", ou agrupamentos de fluxos de rendimento de hipotecas divididas de modo a liquidar o principal de cada débito da tranche em sequência —a tranche mais elevadas primeiro, e assim por diante. Na década de 1990, e especialmente no fim da mesma, os bancos começaram a construir CDOs, os quais misturavam juntas hipotecas de baixo risco, médio risco e alto risco, juntamente com outros tipos de dívida.

As tranches agora representavam risco de incumprimento, com a tranche mais baixa a absorver todos os incumprimentos antes da tranche seguinte mais elevada, e assim por diante. As três maiores agências de crédito deram às tranches mais altas destes novos CDOs classificaram com notas de investimento (investment grade). (Um título com notas de investimento é aquele que se julga bastante provável cumprir as obrigações de pagamento de modo a que bancos possam neles investir — um título abaixo da nota de investimento é um título lixo). A suposição era que a dispersão geográfica e sectorial da carteira de empréstimos e o "esfatiamento" do risco converteria tudo menos o extremo inferior das tranches destes veículos de investimento em apostas seguras. Em muitos casos a tranche mais alta (e maior) de tais CDOs obtinha a melhor classificação possível ("AAA" — equivalente à classificação das obrigações do governo dos EUA) através do dispositivo de estar "assegurada" contra incumprimento por um companhia seguradora de títulos que fosse ela própria garantida por classificações AAA. Tudo isto criou um mercado para empréstimos hipotecários que se expandiu amplamente. Isto rapidamente abarcou os mutuários chamados "subprime" com fracas histórias de crédito e/ou baixos rendimentos que anteriormente estavam fora do mercado hipotecário. E ao obter altas classificações de crédito para os instrumentos resultantes, os bancos criadores destes títulos obtinham prontamente a capacidade para deles dispor por todos os novos mercados financeiros globais.

Cruciais para a bolha habitacional foram os canais fora do balanço estabelecidos pelos bancos, conhecidos como Veículos de investimento estruturado (Structured investment vehicles, SIVs) — eles próprios bancos virtuais — concebidos para manter CDOs. Estas entidades especiais financiavam suas compras de CDOs com a retirada sobre o mercado de papel comercial para financiamento a curto prazo. Isto significava que elas estavam a tomar emprestado fundos a curto prazo (através da emissão de "papel comercial apoiado por activo") para investir em títulos a longo prazo. A fim de tranquilizar os investidores, Foram feitos com bancos acordos "credit default swap", envolvendo grandes bancos como o Bank of America, através dos quais os SIV (neste caso os compradores de swaps) faziam pagamentos trimestrais em retorno aos banco (os vendedores de swaps) prometendo fazer um grande pagamento se os SIVs descobrissem seus activos a declinar e o seu crédito a secar e fossem forçados ao incumprimento. Isto, juntamente com outros factores, teve o efeito de deixar os bancos pontencialmente expostos aos riscos que eles supostamente haviam transferido para outra parte. (7)

Expansão do crédito


Uma expansão do crédito — a qual significa que pessoas ou corporações estão a assumir mais dívida — é necessária para alimentar qualquer bolha no preço de activos. Na bolha habitacional, taxas de juros extremamente baixas a seguir à explosão da bolha do mercado de acções e mudanças nas exigências de reservas dos bancos expandiram generalizadamente o crédito disponível para os mutuários, pouco importando a sua história de crédito. No princípio de Janeiro de 2001, o Federal Reserve Board reduziu as taxas de juro em doze sucessivos cortes de taxas, reduzindo a taxa básica dos fundos federais de 6 por cento para uma baixa pós Segundo Guerra Mundial de 1 por cento em Junho de 2003. (8)

Na resultante bolha habitacional o financiamento barato expandiu o número de mutuários de hipotecas apesar do aumento dos preços das casas. A combinação de taxas de juros extraordinariamente baixas e hipotecas mais longas resultou em pagamentos mensais acessíveis mesmo no momento e que os preços estavam rapidamente a aumentar. Se tais pagamentos mensais ainda fossem inacessíveis — como eram frequentemente uma vez que os salários reais estagnaram durante trinta anos e ao nível da entrada os empregos raramente pagam mais do que perto do salário mínimo — isto significava que foram concebidos para reduzir os pagamentos iniciais mais uma vez. Isto muitas vezes tomou a forma de hipotecas com taxas ajustáveis com baixa taxas de juro "dificultosas" ("teaser"), as quais seriam recompostas após um especificado período introdutório, habitualmente três a cinco anos ou menos. Ao pagar quase nenhum juro e ao não fazer pagamentos de capital, os novos compradores podiam agora "aceder" a lares a preços ainda mais elevados.

Compradores de casas pouco refinados foram prontamente seduzidos pela euforia dominante do boom imobiliário, e facilmente levados a acreditar que a ascensão contínua nos preços das suas casas lhes permitiria refinanciar suas hipotecas quando as taxas dificultosas expirassem. Muitos empréstimos hipotecários subprime montavam a 100 por cento do valor avaliado da casa. Os originadores dos empréstimos subprime tinham todo o incentivo para gerar e entrouxar juntos tantos destes empréstimos quanto possível uma vez que os empréstimos reempacotados eram rapidamente vendidos a outros. E, naturalmente, os custos da compra das casas rapidamente inflacionados cobertos por estes empréstimos subprime incluíam uma rica recolha na forma de comissões e pagamentos a um vasto e predatório enxame de intermediários na corretagem e na "indústria" de geração de hipotecas. "O montante das hipotecas subprimes emitidas e encaixadas no Mortgage Backed Securities saltou de US$56 mil milhões em 2000 para US$508 mil milhões no seu pico em 2005". (9)

Mania especulativa

A mania especulativa caracteriza-se por um aumento rápido na quantidade de dívida e uma redução igualmente rápida da sua qualidade. A assunção de empréstimos pesados é utilizada para comprar activos financeiros, não com base nos fluxos de rendimentos que eles poderão gerar e sim simplesmente na hipótese de aumentos de preços para estes activos. Isto é o que o economista Hyman Minsky denominou "finanças Ponzi" ou hiper-especulação. (10) As CDOs, com sua exposição a hipotecas subprime ou "resíduos tóxicos" financeiros, progressivamente assumiram esta forma clássica.

Não só os prestamistas hipotecários e prestatários subprime foram capturados neste desvario. Uma multidão crescente de especuladores imobiliários entrou no negócio de comprar casas a fim de vendê-las a preços mais altos. Muitos donos de habitações também começaram a encarar o aumento rápido no valor das suas casas como natural e permanente, e aproveitavam as baixas taxas de juro para refinanciar e retirar valor em cash dos seus lares. Isto foi um meio de manter ou aumentar os níveis de consumo apesar dos salários estagnados da maioria dos trabalhadores. No máximo da bolha os novos empréstimos hipotecários aumentaram US$1,1 milhões de milhões (trillion) só entre Outubro e Dezembro de 2005, trazendo a dívida hipotecária em poder do público, no seu todo, para US$8,66 milhões de milhões, o que equivale a 69,4 por cento do PiB dos Estados Unidos. (11)

Aflição

A aflição assinala uma mudança abrupta na direcção do mercado financeiro, muitas vezes resultante de algum evento externo. A bolha habitacional foi furada primeiro em 2006 devido ao aumento das taxas de juro, as quais provocaram uma reversão da direcção dos preços habitacionais nas regiões subprime problemáticas, primariamente a Califórnia, Arizona e Florida. Os tomadores de empréstimos que haviam estado na dependência de aumentos de dois dígitos nos preços das casas e taxas de juro muito baixas para refinanciar ou vender as casas antes de as taxas hipotecárias ajustáveis serem recompostas foram subitamente confrontados com preços de casas em queda e pagamentos de hipoteca que estavam a reajustar-se (ou iriam reajustar-se em breve) para cima. Os investidores começaram a preocupar-se com a possibilidade de o arrefecimento do mercado habitacional em algumas regiões se espalhasse para o mercado hipotecário como um todo e infectasse a economia global. Como indicador de tal aflição, os credit debt swaps concebidos para proteger investidores e utilizados para especular sobre a qualidade do crédito, aumentaram globalmente em 49 por cento para chegar a uma dívida teórica de US$42,5 milhões de milhões no primeiro semestre de 2007. (12)

Crash e pânico

O cenário final numa bolha financeira é conhecido como de crash e pânico, assinalado por uma liquidação rápida de activos numa "fuga para a qualidade" (isto é, liquidez). O cash mais uma vez torna-se rei. O crash inicial que abalou o mercado ocorreu em Julho de 2007 quando impodiram dois hedge funds do Bear Stearns que possuíam aproximadamente US$10 mil milhões em títulos apoiados por hipotecas. Um perdeu 90 por cento do seu valor, ao passo que o outro fundiu-se completamente. Quando se tornou evidente que este hedge funds eram incapazes de calcular o valor real dos seus haveres em numerosos bancos, na Europa e na Ásia assim como nos Estados Unidos, foram forçados a reconhecer a sua exposição às tóxicas hipotecas subprime. Sobreveio então uma severa sufocação do crédito quando se espalhou o medo entre as instituições financeiras, cada uma das quais estava incerta quanto ao nível de resíduos financeiros tóxicos que as outras possuíam. A infiltração do esmagamento do crédito para dentro do mercado de papel comercial cortou a principal fonte de financiamento para os SIVs patrocinados por bancos. Isto trouxe para a frente a muito pesada exposição ao risco de alguns dos grandes bancos decorrente dos credit defauld swaps. Um evento chave foi a falência e subsequente salvamento e nacionalização do banco hipotecário britânico Northern Rock, o qual em Setembro de 2007 foi o primeiro banco da Grã-Bretanha em mais de um século a experimentar uma corrida, com clientes a fazerem fila para retirar as suas contas poupança. Os seguradores de títulos dos EUA também começaram a implodir — um desenvolvimento particularmente ameaçador para o capital — devido à subscrição de credit-default swaps sobre títulos apoiados em hipotecas. (13)

O pânico financeiro espalhou-se rapidamente por todo o globo, reflectindo o facto de que investidores internacionais também estavam fortemente ligados à especulação com títulos americanos apoiados por hipotecas. Emergiram temores generalizados de que o crescimento económico mundial cairia para 2,5 por cento ou um nível mais baixos, o que para economistas define um mundo em recessão. (14) Grande parte do medo que varreu os mercados financeiros globais foi devida a um sistema tão complexo e opaco que ninguém sabia onde o resíduo tóxico estava enterrado. Isto levou a uma fuga para os títulos do Tesouro dos EUA e a uma diminuição drástica na concessão de empréstimos.

Em 19 de Janeiro de 2008 o Wall Street Journal declarava abertamente que o sistema financeiro havia entrado no "Cenário do pânico", referindo-se ao modelo de Kindelberger em Manias, Panics, and Crashes. O Federal Reserve Board respondeu, na sua função de prestamista de último recursos, despejando liquidez no sistema, reduzindo drasticamente a taxa de fundos federais dos 4,75 por cento em Setembro para 3 por cento em Janeiro, com mais cortes nas taxas de juro que se aguardam. O governo federal imiscuiu-se com um pacote de estímulos de US$150 mil milhões. Nada disto, contudo, serviu, na data em que isto era escrito (princípio de Março de 2008), para travar a crise, a qual está baseada na insolvência de grande parte do mercado hipotecário de muitos milhões de milhões de dólares, com novos choques a seguirem-se quando milhões de hipotecas com taxas ajustáveis vêm saltos nas taxas de juros. Acima de tudo, o fim da bolha habitacional minou a condição financeira dos consumidores estado-unidenses, já duramnte pressionados e pesadamente endividados, cujas compras equivalem a 72 por cento do PIB.

Quão séria será a desaceleração económica final ainda não se sabe. Analistas financeiros sugerem que os preços habitacionais devem cair na média algo como 20 a 30 por cento, e muito mais em algumas regiões, para retornarem às tendências históricas. (15) O declínio nos preços habitacionais dos EUA experimentou uma aceleração no quarto trimestre de 2007. (16) Isto mais o facto de que os consumidores estão a ser atingidos por outros problemas, tais como preços em crescimento nos combustíveis e alimentos, garante uma séria desaceleração (slowdown). Alguns observadores referem-se agora a um "ciclo da bolha" e vêem uma outra bolha como o único meio para impedir a catástrofe e restaurar rapidamente o crescimento da economia. (17) Outros vêem um período de crescimento persistentemente fraco.

Uma coisa é certa. Os grandes interesses capitalistas estão relativamente bem colocados para protegerem seus investimentos na fase de declínio através de todas as espécie de arranjos hedging e muitas vezes podem apelar ao governo para salvá-los. Eles também têm uma miríade de meios de transferir os custos para aqueles que estão mais baixos na hierarquia económica. As perdas portanto cairão desproporcionalmente sobre os pequenos investidores, trabalhadores e consumidores, e sobre economias do terceiro mundo. O resultado final, como em todos os episódios da história do sistema, será agravada concentração económica e no sector financeiro tanto à escala nacional como global.

Uma crise de financiarização

Pouco mais pode ser dito por agora acerca da evolução do declínio, o qual ainda terá de fazer o seu caminho através do sistema. De uma perspectiva histórica a longo prazo, contudo, estes eventos podem ser visto como sintomas de uma crise mais geral de financiarização, para além da qual espreita o espectro da estagnação. É através da exploração destas questões mais vastas e mais profundas enraizadas na produção com base de classe que podemos lançar luz sobre a significância dos desenvolvimentos acima para a acumulação de capital e o futuro da sociedade de classe capitalista.

Numerosos comentadores têm censurado severamente a economia dos EUA pela sua "monstruosa bolha do crédito barato ... com uma bolha a produzir outra" — nas palavras de Stephen Roach, presidente do Morgan Stanley Asia. Em outra parte Roach observou que "as bolhas da América têm ficado cada vez maiores, tal como os segmentos da economia real que elas têm infectado". A dívida familiar aumentou 133 por cento do rendimento pessoal disponível, ao passo que a dívida de corporações financeiras atingiu a estratosfera, e a dívida do governo e de corporações não financeiras tem estado a aumentar constantemente. (18) Esta enorme explosão no endividamento — consumidor, corporações e governo — em relação à economia subjacente (igual a bem mais de 300 por cento do PIB na altura do pico da bolha habitacional em 2005) tem tanto erguido a economia como conduzido à instabilidade crescente. (19)

Comentadores dos media "de referência" muitas vezes tratam isto como uma neurose nacional ligada a um vício americano no consumo elevado, grandes tomadas de empréstimos e poupanças pessoais evanescentes. Economistas radicais, entretanto, tomaram a dianteira ao apontar para uma transformação estrutural no próprio processo de acumulação de capital associado ao processo histórico com décadas — agora comumente chamado financiarização — no qual o papel tradicional das finanças como uma serva útil da produção foi invertido, com as finanças agora a dominarem sobre a produção.

A questão da financiarização do processo de acumulação de capital foi sublinhada um quarto de século atrás na Monthly Review, por Harry Magdoff e Paul Sweezy, num artigo sobre "Produção e finanças". Arrancando com uma teoria (chamada a "tese da estagnação") (20) que via a explosão financeira como uma resposta à estagnação da economia subjacente, eles argumentaram que isto ajudou a "compensar a capacidade produtiva excedente da indústria moderna" tanto através do seu efeito directo sobre o emprego e indirectamente através do estímulo à procura criado por uma valorização de activos (agora referidos como a "criação de riqueza"). (21) Mas a questão levanta-se naturalmente: Poderia um tal processo continuar? Eles responderam:

De um ponto de vista estrutural, isto é, dada a independência de extremo alcance do sector financeiro acima discutida, a inflação financeira desta espécie pode persistir indefinidamente. Mas será que isto não obriga ao colapso face à teimosa estagnação do sector produtivo? Serão estes dois sectores realmente independentes? Ou será que estamos a falar meramente acerca de uma bolha inflacionária que é obrigada a explodir como muitas manias especulativas o fizeram na história passada do capitalismo?

Nenhuma resposta garantida pode ser dada a estas questões. Mas estamos inclinados a ver que na fase actual da história do capitalismo — exceptuando um choque de forma alguma improvável como a ruptura do sistema monetário e bancário internacional — a coexistência da estagnação no sector produtivo e da inflação no sector financeiro pode continuar por um longo tempo. (22)

Na raíz da tendência da financiarização, argumentaram Magdoff e Sweezy, estava a estagnação subjacente da economia real, a qual constituía o estado normal do capitalismo moderno. Nesta visão, não era a estagnação que precisava ser explicada e sim os períodos de crescimento rápido, tais como a década de 1960.

Os economistas da corrente dominante prestaram escassa atenção à tendência estagnacionista em economias maduras. Na ideologia económica recebida considera-se o crescimento rápido como uma propriedade intrínseca do capitalismo como um sistema. Confrontados com o que parece o princípio de uma grande baixa económica somos então estimulados a vê-la como um mero fenómeno cíclico — penoso, mas auto-correctivo. Mais cedo ou mais tarde uma plena recuperação ocorrerá e o crescimento retornará ao seu ritmo rápido normal.

Contudo, há uma visão económica radicalmente diferente, da qual Magdoff e Sweezy estavam entre os principais representantes, que sugere que o caminho normal das economias capitalistas maduras, tais como aquelas dos Estados Unidos, dos principais países da Europa Ocidental e o Japão, é o da estagnação ao invés do crescimento rápido. Nesta perspectiva, as crises periódicas de hoje, ao invés de constituírem meras interrupções temporários num processo de avanço acelerado, apontam para sérios e crescentes constrangimentos a longo prazo na acumulação de capital.

Uma economia capitalista a fim de continuar a crescer deve descobrir constantemente novas fontes de procura para o crescente excedente que ela gera. Entretanto, na evolução histórica da economia, chega um momento em que grande parte do excedente à procura de investimento gerado pela enorme e crescente produtividade do sistema é incapaz de descobrir suficientes novas saídas de investimento lucrativo. As razões para isto são complexas e têm a ver com (1) a maturação das economias, nas quais a estrutura industrial básica já não precisa de ser construída a partir do zero e sim simplesmente reproduzida (e portanto normalmente pode ser financiada pelas quotas de amortização); (2) a ausência durante longos período de qualquer nova tecnologia que gere estímulos que façam uma época e a transformação da economia, tal como ocorreu com a introdução do automóvel (mesmo a utilização generalizada de computadores e da Internet não teve o efeito estimulante sobre a economia das tecnologias transformativas anteriores); (3) crescente desigualdade de rendimento e riqueza, a qual limita a procura por consumo na base da economia e tende a reduzir o investimento quando capacidade produtividade não utilizada já construída e os ricos especulam mais com os seus fundos ao invés de investirem na economia "real" — os sectores que produzem bens e serviços; e (4) um processo de monopolização (oligopolização) que conduz a uma atenuação da competição através dos preços — habitualmente considerada como a principal força responsável pela flexibilidade e dinamismo do sistema. (23)



Historicamente, a presença da estagnação sentiu-se mais dramaticamente na Grande Depressão da década de 1930. Ela foi interrompida pelo estímulo económico proporcionado pela Segunda Guerra Mundial e pelas condições excepcionalmente favoráveis após a guerra, na chamada "Era Dourada". Mas quando as condições favoráveis diminuíram a estagnação voltou à superfície na década de 1970. A utilização da capacidade manufactureira começou o seu declínio secular que continuou até ao presente, numa média de apenas 79,8 por cento no período 1972-2007 (a comparar com uma média de 85 por cento em 1960-69). Em parte como resultado disto o investimento líquido vacilou (ver gráfico 2). (24)

O papel clássico do investimento líquido (após reservas para substituição de equipamento desgastado) na teoria do desenvolvimento capitalista é claro. Ao nível da firma, é apenas investimento líquido que absorve excedente à procura de investimento que corresponde a lucros não distribuídos (e não onerados pelo fisco) das firmas — uma vez que o remanescente do investimento bruto é investimento de substituição coberto por dotações para consumo de capital. Como observou em 1983 o economista Harold Vatter num artigo intitulado "The Atrophy of Net Investment",

Ao nível do representante individual da empresa, a fuga ao investimento líquido significa a aproximação do término da raison d'être histórica e profundamente enraizada da firma não financeira: a acumulação de capital. Em consequência, aos lucros contabilísticos não distribuídos, se não forem tomados pelo fisco, faltariam os destinos tradicionais (procura efectiva na forma de investimento líquido), pelo menos numa economia fechada. (25)

O investimento no sector privado que outrora representava a força condutora principal da economia capitalista, absorvendo um excedente económico crescente. Foi o relativamente alto investimento fixo líquido não residencial dos privados (juntamente com gastos do governo orientados para as despesas militares) que ajudou a criar e sustentar a "Era Dourada" da década de 1960. A falta de tal investimento (em percentagem do PIB) no princípio da década de 1970 (com breve excepções no fim dos anos 1970-princípio dos anos 1980, e fim dos anos 1990), assinalou que a economia era incapaz de absorver todo o excedente à procura de investimento que ela estava a gerar, e portanto marcou o início do aprofundamento da estagnação na economia real de bens e serviços.

O problema total tem-se agravado ao longo do tempo. Nove em cada dez anos com o mais baixo investimento fixo líquido não residencial como percentagem do PIB ao longo do último meio século (até 2006) estiveram nas décadas de 1990 e 2000. Entre 1986 e 2006, em apenas um ano — o de 2000, exactamente antes do crash do mercado de acções — a percentagem do PIB representada pelo investimento fixo líquido privado não residencial atingiu a média de 1960-79 (4,2 por cento). Este fracasso no investimento não se deve evidentemente não à falta de excedente à procura de investimento. Um indicador disto é que as corporações agora sentam sobre uma montanha de cash — um excesso de US$600 mil milhões em poupanças corporativas que foram acumuladas ao mesmo tempo que o investimento tem estado a declinar devido à falta de saídas lucrativas. (26)

O que tem impedido as coisas de ficarem piores nas últimas poucas décadas, devido ao declínio do investimento líquido e aos limites sobre os gastos civis do governo, tem sido principalmente as finanças em ascensão. Isto proporcionou uma escapatória considerável para o excedente económico, no chamado FIRE (finanças, seguros e imobiliário), empregando muitas novas pessoas neste sector não produtivo da economia, ao mesmo tempo, também, estimulando indirectamente a procura através do impacto da valorização de activos (o efeito riqueza).

Além das finanças, o principal estímulo para a economia, nos últimos anos, tem sido os gastos militares. Como observou o crítico do império Chalmers Johnson em Le Monde Diplomatique de Fevereiro de 2008:

As despesas planeadas pelo Departamento da Defesa para o ano fiscal de 2008 são maiores do que os orçamentos militares de todos os outros países em conjunto. O orçamento suplementar para pagar as guerras actuais no Iraque e no Afeganistão, que não fazem parte do orçamento oficial da defesa, é maior do que os orçamentos conjuntos da Rússia e da China. Os gastos relacionados com a defesa no ano fiscal de 2008 excederão US$1 milhão de milhões (trillion) pela primeira vez na história... Deixando de lado as duas guerras em curso do presidente Bush, os gastos de defesa duplicaram desde meados da década de 1990. O orçamento de defesa para o ano fiscal de 2008 é o maior de todos desde a segunda guerra mundial. (27)

Contudo, mesmo o estímulo proporcionado por tais gastos militares gigantescos hoje não é suficiente para retirar o capitalismo americano da estagnação. Portanto, a economia tornou-se cada vez mais dependente da financiarização como veículo chave de crescimento.

Ao apontar em 1994 para esta condição económica alterada de forma dramática, numa palestra para estudantes de ciências económicas de Harvard, Sweezy declarou:

Antigamente as finanças eram tratadas como um modesto auxiliar da produção. Elas tenderam a ganhar vida por si próprias e gerar excessos especulativos nas etapas finais das expansões do ciclo de negócios. Em regra estes episódios eram de breve duração e não tinham efeitos duradouros sobre a estrutura e o funcionamento da economia. Em contraste, o que aconteceu em anos recentes foi o crescimento de um sector financeiro relativamente independente, não num período de super-aquecimento mas ao contrário num período de alto nível de estagnação (alto nível devido ao apoio proporcionado à economia pelo sector público orientado militarmente) no qual a indústria privada é lucrativa mas carente de incentivos para expandir, portanto a estagnação do investimento privado real. Mas uma vez que as corporações e os seus accionistas estão a sair-se bem e, como sempre, estão ansiosos por expandir o seu capital, eles despejam dinheiro dos mercados financeiros, o qual responde com a expansão da sua capacidade de manusear estas somas crescentes e oferece novas espécie de instrumentos financeiros atraentes. Tal processo começou na década de 1970 e realmente arrancou na de 1980. No fim da década, a velha estrutura da economia, consistente num sistema de produção servido por um modesto auxiliar financeiro, havia dado lugar a uma nova estrutura na qual um sector financeiro grandemente expandido havia alcançado um alto grau de independência e sentava sobre o topo do sistema de produção subjacente. Isto, no essencial, é o que temos agora. (28)

Desta perspectiva, o capitalismo na sua fase monopolista-financeira tornou-se cada vez mais dependente do inchaço do sistema de crédito-débito a fim de escapar aos piores aspectos da estagnação. Além disso, nada no próprio processo de financiarização apresenta uma via de saída deste círculo vicioso. Hoje a explosão de dois bolha num período de sete anos no centro do sistema capitalista aponta para uma crise de financiarização, por trás da qual espreita a estagnação profunda, sem saída visíveis da armadilha presente além do enchimento de novas bolhas.

Será a financiarização um problema real ou simplesmente um sintoma?

Os argumentos anteriores levam à conclusão de que a estagnação gera financiarização, a qual é o meio principal pelo qual o sistema continua a coxear até ao momento. Mas deve ser notado que trabalhos recentes de alguns economistas radicais nos Estados Unidos apontaram para a conclusão diametralmente oposta: que a financiarização gera estagnação. Nesta visão, é a financiarização ao invés da estagnação que parece ser o problema real.

Isto pode ser visto num documento de trabalho de Novembro de 2007 do Political Economy Research Institute escrito por Thomas Palley, intitulado "Financialization: What It Is and Why It Matters". Palley observa que "a era da financiarização foi associada com crescimento económico geralmente morno... Em todos os países excepto o Reino Unido, o crescimento médio anual caiu durante a era da financiarização que se iniciou após 1970. Além disso, o crescimento também parece mostrar uma tendência vagarosa pois o crescimento na década de 1980 foi mais alto do que na de 1990, o qual por sua vez foi mais alto do que na de 2000". Ele prossegue ao observar que "o ciclo de negócios gerado pela financiarização pode ser instável e finalizar uma estagnação prolongada". No entanto, o ponto principal do argumento de Palley é que esta "estagnação prolongada" é uma consequência da financiarização ao invés de outro meio para contorná-la. Portanto ele afirma que factores como "estagnação de salários e desigualdade agravada de rendimentos" são "devidos significativamente a mudanças forjadas pelos interesses do sector financeiro". O "novo ciclo de negócios" dominado pelo "culto da finança" é dito conduzir a mais volatilidade decorrente de bolhas financeiras. Portanto, "a financiarização pode tornar a economia presa da dívida-deflação e da recessão prolongada". Palley chama a este argumento a "tese da financiarização". (29)

Não há dúvida de que uma profunda estagnação prolongada poderia emergir no fim de uma bolha financeira, isto é, com o desaparecimento de um período de financiarização rápida. Afinal de contas, foi isto o que aconteceu ao Japão a seguir à explosão do seu mercado de activos imobiliários e de acções em 1990. (30) A análise que apresentamos aqui, entretanto, sugeriria que um mal estar económico desta espécie é mais habitualmente encarado como uma crise de financiarização ao invés de atribuível aos efeitos negativos da financiarização sobre a economia, tal como sugerido por Palley. O problema é que o processo de financiarização caiu num impasse e com isso o crescimento que ele gerava.

O ponto que estamos aqui a destacar pode ser clarificado examinando outro documento de trabalho (Outubro de 2007, também do Political Economy Research Institute) do economista Özgür Orhangazi sobre "Financialization and Capital Accumulation in the Non-Financial Corporate Sector." Orhangazi argumenta que "investimento financeiro acrescido e oportunidades de lucro financeiras acrescidas expulsam o investimento real ao mudar os incentivos dos administradores das firmas e dirigir os fundos para longe do invetimento real". Notando que "a taxa de acumulação de capital [referindo-se ao investimento fixo líquido não residencial por corporações não financeiras] tem sido relativamente baixa na era da financiarização", Orhangazi encara isto como sendo devido ao "investimento acrescido em activos financeiros", os quais "pode ter um efeito de 'expulsão' sobre o investimento real": a estagnação é então convertida de uma causa (como na tese da estagnação) em um efeito (na tese da financiarização). (31)

Todavia, a ideia da "expulsão" do investimento pela especulação financeira faz pouco sentido, na nossa opinião, quando colocada no contexto actual de uma economia caracterizada pela ascensão do excesso de capacidade e pelo desaparecimento de oportunidades de investimento líquido. Há muitas saídas lucrativas para o capital na economia real de bens e serviços. Um limite muito estreito existe em relação ao número de oportunidades de geração de lucro associado à criação de novos ou automóveis ou fabricação de electrodomésticos, cabeleireiros, estabelecimentos de comida rápida, e assim por diante. Sob as circunstâncias de um processo de acumulação de capital a que faltam saída lucrativas e trava constantemente, a acumulação de mais e mais dívidas (e a inflação de preços de activos que isto produz) é uma alavanca poderosa, como vimos, no estímulo ao crescimento. Reciprocamente qualquer redução no inchaço da dívida ameaça este crescimento. Isto não quer dizer que a dívida deveria ser encarada como uma cura para tudo. Ao contrário, para a fraca economia subjacente de hoje nenhuma quantia de estímulo da dívida é suficiente. Está na natureza do capital monopolista-financeiro de hoje que ele "tende a tornar-se viciado em dívida: cada vez necessita mais dela apenas para manter o motor em andamento". (32)

Ainda assim, por importante que a financiarização se tenha tornado na economia contemporânea, isto não deveria cegar-nos para o facto de que o problema real jaz alhures: em todo o sistema de exploração de classe enraizado na produção. Neste sentido a financiarização é meramente um meio de compensar a doença subjacente que afecta a própria acumulação de capital. Como escreveu Marx em O Capital, "A superficialidade da economia política mostra-se no facto de que ela encara a expansão e contracção do crédito como a causa das alterações periódicas do ciclo industrial, quando ela é um mero sintoma deles". Apesar da vasta expansão do crédito-dívida no capitalismo de hoje, continua a ser verdade que a barreira real para o capital é o próprio capital: manifestada na tendência rumo à sobre-acumulação de capital.

A crítica bem intencionada da financiarização avançada por Palley, Orhangazi e outros da esquerda é destinada à re-regulamentação do sistema financeiro, e a eliminação de alguns dos piores aspectos do neoliberalismo que emergiram na era do capital monopolista-financeiro. A intenção clara é criar uma nova arquitectura financeira que estabilizará a economia e protegerá o trabalho assalariado. Mas se o argumento anterior é correcto, tais esforços para re-regulamentar as finanças provavelmente fracassarão nos seus objectivos principais, uma vez que quaisquer tentativas sérias de dominar o sistema financeiro arrisca-se a desestabilizar todo o regime de acumulação, o qual precisa constantemente da financiarização para subir a níveis sempre mais altos.

As únicas coisas que de modo concebível poderiam ser feitas dentro do sistema para estabilizar a economia, afirmou Sweezy em 1994 na palestra de Harvard, seria expandir muito a despesa civil do Estado em vias que genuinamente beneficiassem a população; e executar uma realmente radical redistribuição do rendimento e da riqueza da espécie "a que Joseph Kennedy, o fundador da dinastia Kennedy" se referiu "em meados da Grande Depressão, quando as coisas pareciam gélidas" — indicando "que ele abandonaria com satisfação a metade da sua fortuna se pudesse ter a certeza de que a outra metade ficaria mais segura". Naturalmente, nenhuma destas propostas radicais está na agenda do presente, e a natureza do capitalismo é tal que se uma crise alguma vez levasse à sua adopção, os interesses adquiridos fariam todas as tentativas para repelir tais medidas no momento em que a crise houvesse passado. (33)

A dura verdade é que o regime do capital monopolista-financeiro está concebido para beneficiar um minúsculo grupo de oligopolistas que dominam tanto a produção como as finanças. Um número relativamente pequeno de indivíduos e corporações controla enormes reservas de capital e não encontram outro meio de continuar a ganhar dinheiro na escala necessária senão através de uma pesada dependência nas finanças e na especulação. Isto é uma contradição de raízes profundas intrínseca ao desenvolvimento do próprio capitalismo. Se o objectivo é promover as necessidades da humanidade como um todo, o mundo mais cedo ou mais tarde terá de abraçar um sistema alternativo. Não há outro caminho.

05/Março/2008

Notas
(1) John Bellamy Foster, "Financialization of Capitalism," Monthly Review 58, no. 11 (April 2007): 8–10. Ver também John Bellamy Foster, "The Household Debt Bubble," Monthly Review 58, no. 1 (May 2006): 1–11, e "Monopoly-Finance Capital," Monthly Review 58, no. 7 (December 2006); e Fred Magdoff, "The Explosion of Debt and Speculation," Monthly Review 58, no. 6 (November 2006), 1–23.

(2) "U.S. Recovery May Take Longer than Usual: Greenspan," Reuters, February 25, 2008.

(3) Paul M. Sweezy, "More (or Less) on Globalization," Monthly Review 49, no. 4 (September 1997): 3.

(4) Stephanie Pomboy, "The Great Bubble Transfer," MacroMavens, April 3, 2002, http://www.macromavens.com/reports/the_great_bubble_transfer.pdf; Foster, "The House-hold Debt Bubble," 8–10.

(5) A discussão seguinte das cinco fases da bolha habitacional repousa primariamente nas seguintes fontes: Juan Landa, "Deconstructing the Credit Bubble," Matterhorn Capital Management Investor Update, 3rd Quarter 2007, http://www.matterhorncap.com/pdf/3q2007.pdf., and "Subprime Collapse Part of Economic Cycle," San Antonio Business Journal, October 26, 2007, and Charles P. Kindelberger and Robert Aliber, Manias, Panics, and Crashes (Hokoben, New Jersey: John Wiley and Sons, 2005).

(6) Na análise das bolhas financeiras que Charles Kindelberger apresentou com base na teoria anterior da instabilidade financeira iniciada por Hyman Minsky, a fase da bolha associada aqui com um "novo lançamento" é mais frequentemente mencionada como "deslocação", um conceito que é suposto combinar as ideias de choque económico e inovação. Uma vez que "novo lançamento" é mais descritivo daquilo que realmente acontece na formação de uma bolha, é muitas vezes substituído por "deslocamento" em tratamentos concretos. Ver Kindelberger and Aliber, Manias, Panics, and Crashes, 47–50.

(7) Floyd Norris, "Who's Going to Take the Financial Weight?," New York Times, October 26, 2007; "Default Fears Unnerve Markets," Wall Street Journal, January 18, 2008.

(8) Federal Reserve Bank of New York, "Historical Changes of the Target Federal Funds and Discount Rates," http://www.newyorkfed.org/markets/statistics/dlyrates/fedrate.html.

(9) Landa, "Deconstructing the Credit Bubble."

(10) Hyman Minsky, Can "It" Happen Again? (New York: M.E. Sharpe, 1982), 28–29.

(11) "Household Financial Condition: Q4 2005," Financial Markets Center, March 19, 2006, http://www.fmcenter.org; Foster, "The Household Debt Bubble," 8.

(12) "Global Derivatives Market Expands to $516 Trillion (Update)," Bloomberg.com, November 22, 2007.

(13) "Bond Insurer Woes May Mean End of Loophole," Reuters, February 13, 2008.

(14) "Global Recession Risk Grows as U.S. 'Damage' Spreads," Bloomberg.com, January 28, 2008. Este relatório refere-se à recessão ao nível mundial, tal como descrito pelos economista, como 3 por cento ou inferior. Mas 2,5 por cento é provavelmente mais exacto, i.é, mais próximo das recentes recessões mundiais e pontos de vista do FMI.

(15) Stephen Roach, "America's Inflated Asset Prices Must Fall," Financial Times, January 8, 2008.

(16) "Decline in Home Prices Accelerates," Wall Street Journal, February 27, 2008.

(17) Eric Janszen, "The Next Bubble," Harper's (February 2008), 39–45.

(18) Roach, "America's Inflated Asset Prices Must Fall," and "You Can Almost Hear it Pop," New York Times, December 16, 2007.

(19) Fred Magdoff, "The Explosion of Debt and Speculation," 9.

(20) A expressão "tese da estagnação" foi na origem associada primariamente ao argumento de Alvin Hansen em resposta Grande Depressão. Ver Hansen, "The Stagnation Thesis" in American Economic Association, Readings in Fiscal Policy (Homewood, Illinois: Richard D. Irwin, Inc., 1955), 540–57. Posteriormente foi utilizado por Baran e Sweezy's Monopoly Capital. Ver Harry Magdoff, "Monopoly Capital" (review), Economic Development and Cultural Change 16, no. 1 (October 1967): 148.

(21) O conceito do "efeito riqueza" refere-se à tendência de o consumo crescer independentemente do rendimento devido à ascensão dos preços dos activos sob a financiarização. A utilização mais antiga da expressão foi num artigo de 27/Janeiro/1975 na Business Week intitulado "How Sagging Stocks Depress the Economy." Alan Greenspan empregou o conceito do "efeito riqueza" em 1980 para referir-se ao efeito do aumento nos preços das casas no estímulo ao consumo por parte dos proprietários das mesmas — Greenspan, "The Great Malaise," Challenge 23, no. 1 (March–April 1980): 38. Ele posteriormente utilizou-o para racionalizar a bolha do mercado de acções da Nova Economia da década de 1990.

(22) Harry Magdoff and Paul M. Sweezy, "Production and Finance," Monthly Review 35, no. 1 (May 1983): 11–12.

(23) O argumento básico foi articulado emnumerosas publicações Paul Baran, Paul Sweezy, e Harry Magdoff desde a década de 1950 até a de 1990.

(24) Federal Reserve Statistical Release, G.17, "Industrial Production and Capacity Utilization," February 15, 2008, http://www.federalreserve.gov/releases/g17/Current/default.htm; John Bellamy Foster, "The Limits of U.S. Capitalism: Surplus Capacity and Capacity Surplus," in Foster and Henryk Szlajfer, ed., The Faltering Economy (New York: Monthly Review Press, 1984), 207.

(25) Harold G. Vatter, "The Atrophy of Net Investment," in Vatter and John F. Walker, The Inevitability of Government Spending (New York: Columbia University Press, 1990), 7. Vatter nota que o investimento líquido como uma fatia do produto nacional líquido (PNL) caiu para a metade entre o último quarto do século XIX e os meados do século XX. Vatter and Walker, Inevitability of Government Spending, 8.

(26) "Companies are Piling Up Cash," New York Times, March 4, 2008. Este amontoamento de cash foi o produto da última década, com o nível médio de cash como percentagem do total de activos das corporações no índice 500 do Standard & Poor's a duplicar entre 1998 e 2004 (e o rácio mediano a triplicar).

(27) Chalmers Johnson, "Why the US has Really Gone Broke," Le Monde Diplomatique (English edition), February 2008. O número de Johnson de US1 milhão de milhões para os gastos militares dos EUA foi obtido somando-se os suplementos requeridos para as guerras no Iraque e no Afeganistão ao orçamento do Departamento da Defesa para o ano fiscal de 2008 (chegando-se a um grande total de US$766 mil milhões), e então acrescentando-se a isto o gastos militares ocultos nos orçamentos do Departamento da Energia, Departamento de Segurança Interna, Veterans Affairs, etc.

(28) Paul M. Sweezy, "Economic Reminiscences," Monthly Review 47, no. 1 (May 1995), 8–9.

(29) Thomas I. Palley, "Financialization: What It Is and Why It Matters", Working Paper Series, no. 153, Political Economy Research Institute, November 2007, 1, 3, 8, 11, 21, http://www.peri.umass.edu/Publication.236+M505d3f0bd8c.0.html

(30) Ver Kindelberger e Aliber, Manias, Panics, and Crashes, 126–35.

(31) Özgür Orhangazi, "Financialization and Capital Accumulation in the Non-Financial Corporate Sector," Working Paper Series, no. 149, Political Economy Research Institute, October 2007, 3–7, 45, http://www.peri.umass.edu/Publication.236+M547c453b405.0.html.

(32) Harry Magdoff e Paul M. Sweezy, The Irreversible Crisis (New York: Monthly Review Press, 1988), 49.

(33) Sweezy, "Economic Reminiscences," 9–10.


John Bellamy Foster é editor da Monthly Review, a sua ediçom em português pode ver-se aqui.

O original encontra-se em http://monthlyreview.org/080401foster.php . Tradução de JF.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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