quinta-feira, 21 de maio de 2009

Manifesto: Uma renda básica na atual situação de crise económica

Rede Renda Básica

A crise económica está batendo de uma forma muito maior do que se pensava até há poucos meses. Atualmente já todas aquelas pessoas minimamente informadas compartilham opinião de estarmos perante uma situação de crise sem precedentes desde o crack de 1929. Mas há pouco mais de um ano, ainda eram muitos que consideravam que nos encontrávamos numa situação económica má, mas de mui curta duração. Tratava-se, segundo esta forma de ver, de uma crise entre outras que houvo desde meados do século passado. Tudo indica que não é assim.

As consequências sociais desta crise económica estão a ser graves. Ainda que seja impossível assegurar se em meados de 2009 nos achamos nos começos ou no equador (no final não, com certeza) da crise, algumas das consequências já são catastróficas. Especialmente para os setores da população que estão a perder os postos de trabalho. O aumento do desemprego está a realizar-se a uma velocidade e a umas magnitudes desconhecidas em muitíssimos anos. Todas as previsões ficaram abaixo ao conhecer-se os dados reais. Nenhuma previsão mencionou que a taxa de desemprego chegaria a 17,3% no primeiro trimestre de 2009, como agora se sabe. Existem previsões de alguns pesquisadores que chegam a estimar até 30% de desemprego para os finais de 2010. Em qualquer caso, situados em meados de 2009, o número de desempregados no Reino da Espanha já ultrapassa oficialmente os 4 milhões. Agrava o futuro saber que a recuperação económica, quando se produzir, não poderá absorver em pouco tempo estes níveis de desemprego. No melhor dos casos necessitariam-se muitos anos de crescimento sustentado para absorver os 5 milhões de desempregados que faltará pouco por alcançar ou inclusive serão ultrapassados no momento culminante da destruição de emprego.

A porcentagem de pobres da economia espanhola permaneceu mui similar ao longo das últimas décadas. A crise económica está a supor um aumento rápido da pobreza. Foram necessárias taxas de crescimento económico substancial ao longo dos últimos lustros para manter a proporção de pobres perto de 20%, enquanto que a atual situação aumentará a proporção de pessoas que se situarão embaixo do umbral da pobreza.

O impacto generalizado da crise evidenciou também as claras debilidades de uma rede de proteção social deficiente, fragmentada e contraditória. Para além disso, o governo viu-se obrigado a ativar precipitadamente numerosas medidas de urgência ante a crise, que agravam, se possível, a arbitrariedade dos traços do nosso sistema de proteção social.

Perante uma situação como a atual, achamos que a proposta da renda básica, uma dotação monetária incondicional para toda a cidadania e pessoas com residência comprovada, poderia representar muitos benefícios para os setores da população mais duramente castigados pola crise. Se bem que é óbvio que a renda básica, ainda que pudesse causar efeitos importantes, não é uma medida que por si só poda acabar com a crise, não temos dúvida que poderia mitigar as suas consequências mais duras para estes setores da população. E digamos também que o facto de defender a renda básica numa situação de crise económica não significa considerarmos que não haja boas razões para defendê-la também em épocas de bonança económica. Aquilo que pretendemos é simplesmente indicar que algumas das qualidades da renda básica que podem ter efeitos beneficentes em situações económicas estáveis, ganham se possível mais força numa situação de crise económica grave como a atual. Por quê?

Dispor de uma renda básica indefinida, em caso de perda do posto de trabalho, suporia enfrentar o futuro de forma menos preocupante. Bem que é esta uma característica da renda básica para qualquer conjuntura económica, numa situação de crise, em que a quantidade de desemprego é muito maior e as perdas constantes de postos de trabalho crescem de forma acelerada, a mencionada característica da renda básica cobra maior importância social. Dispor de uma renda básica, quando o volume de desempregados é crescente e portanto as promessas de reinserção laboral ou de encontrar postos de trabalho soam a mentiras piedosas, permitiria assegurar, ainda que de forma austera, o porvir mais imediato.

A pobreza não é somente privação dos meios materiais de existência. A pobreza traduz-se também em dependência do arbítrio ou a cobiça de outros, destruição da auto-estima, isolamento e compartimentalização social de quem a padece. Uma renda básica equivalente polo menos ao umbral da pobreza, seria uma forma de acabar com esta e de luitar contra os seus efeitos de uma maneira mui direta. Numa situação de depressão económica na qual, conforme ficou dito, as porcentagens de pobreza aumentarão de forma significativa, pudendo atingir em breve uma proporção de um pobre em cada quatro habitantes, a renda básica representaria um bom dique de contenção desta onda de pobreza.

Uma renda básica constituiria, além disso, um poderoso incentivo para a busca de emprego para todas aquelas pessoas que o têm perdido, dado que, diferentemente das prestações condicionadas que agora existem, não desapareceria como tal quando se começar a cobrar um salário. A renda básica eliminaria a chamada “armadilha do desemprego”, permitindo enfrentar a busca de emprego com maior eficácia e com menos pressões coercitivas para os trabalhadores, pressões que costumam redundar na proliferação de empregos mal pagos, escassamente qualificados e de pouca produtividade, e abriria ademais interessantes perspectivas para o crescimento do emprego a tempo parcial eleito voluntariamente.

A percepção de uma renda básica suporia uma redução do risco no momento de iniciar determinadas atividades de auto-ocupação. Em grandes traços, há dous tipos de empreendedores: aqueles que têm um sustento (familiar, a maioria das vezes) que lhes permite colocar um pequeno projeto empresarial de forma razoavelmente segura, e aqueles para quem a auto-ocupação é a única saída laboral. No segundo caso, o risco em que se incorre não é só perder o investimento, mas perder os meios de subsistência, o que faz com que qualquer decisão de investimento acostume a resultar muito mais perigosa. Mas o risco não termina aqui: em muitos casos, a falta de um capital inicial mínimo retrai potenciais empreendedores. A renda básica, entretanto, permitiria aos empreendedores do segundo tipo capitalizar o pequeno projeto empresarial e, ao tempo, não ser tão dependentes do seu sucesso para sobreviver. Numa situação depressiva, a renda básica, para além de de representar um incentivo, em qualquer caso maior que sem ela, para empreender tarefas de auto-ocupação, suporia uma maior garantia para poder fazer frente, mesmo que parcialmente, às eventualidades de um possível fracasso numa iniciativa deste tipo, assim como a possibilidade de empreender outra com mais possibilidades que a anterior.

Numa situação de crise económica, os ataques aos postos de trabalho e aos salários são frequentes: o Fundo Monetário Internacional, o Banco de España, o Banco de Bilbao Vizcaya Argentaria ou a patronal CEOE, entre outros organismos, manifestaram-se sem a menor brida pola moderação salarial, o despedimento procedente, o barateamento do "factor trabalho" e o recorte de pensões e de proteção social. Estamos a assistir a um permanente e renovado anúncio de apresentações de expedientes de liquidação ou de regulamento de pessoal, sem contar com as inumeráveis pequenas empresas que fecham diretamente as suas portas. As luitas de resistência de maior ou menor intensidade para tentar evitar os despedimentos e a deterioração das condições de trabalho são frequentes. O papel de caixa de resistência que a renda básica poderia cumprir nas luitas dos trabalhadores para defender os postos de trabalho veria-se, por enquanto, acrescentado. A crise económica pode desembocar num grande retrocesso das conquistas sociais duramente conseguidas. A renda básica poderia constituir um eficaz instrumento em mãos dos trabalhadores para resistir a este retrocesso, e também uma imaginativa ideia para o reforços e delinear outra vez estas conquistas sociais, incorporando os princípios de maior individualização, integração com o sistema fiscal, progressividade, redistribuição, luita contra a estigmatização e universalidade da proteção.


A atual crise evidenciou que, quando interessa e acha necessário, se usam enormes quantidades de fundos públicos para tentar salvar uma situação provocada por quem apostaram sem a menor restrição pola máxima rentabilidade da especulação financeira. O volume de recursos a mobilizar ou a complexidade política e administrativa não são razões, por si sós, para opor-se a considerar propostas importantes e de calado como o é a renda básica.

Estas são algumas das reflexões que nos impulsionam a apresentar a organizações sociais, partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais e à cidadania em geral esta proposta social, a renda básica, para que seja tomada seriamente como uma forma de evitar as consequências da crise aos sectores sociais que, para além de ser os mais prejudicados, não são em absoluto responsáveis do seu desencadeamento.

Acaba-se de criar uma subcomissão no Parlamento espanhol para tratar de estudar a conveniência de uma renda básica. É um bom momento para explicar as possibilidades desta proposta social.

Na literatura académica especializada há tempo que se discute com seriedade científica esta ideia, e que se apresentam e consideram diversas alternativas referentes ao seu financiamento, assim como a sua concretização política. Achamos que chegou o momento de acrescentar ao rigor académico e científico a vontade política para avançar polo caminho da renda básica.

A precariedade e a insegurança económica estendem-se a torto e a direito, até o ponto de atingir sectores sociais que, num passado não muito distante, gozavam de graus relevantes de segurança socioeconómica. Neste contexto, a renda básica, enquanto rede material garantida universalmente através de uma reforma do sistema impositivo, aparece como uma via para reforçar e melhorar a segurança material do conjunto da população, condição necessária para o exercício da cidadania.

Maio 2009

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