quinta-feira, 21 de maio de 2009

Um mínimo para sobreviver em tempos de crise

Daniel Raventós

Em 28 de abril passado foi criada uma subcomissão no Parlamento espanhol para estudar as possibilidades de implantação da renda básica no Reino da Espanha. Uma renda básica, isto é, uma destinação monetária incondicional para toda a população, sem outro requisito que a cidadania ou a residência comprovada. Esta proposta foi estudada e discutida ao longo das últimas três décadas em distintos âmbitos acadêmicos, políticos e sociais. Em uma situação de crise econômica profunda como a que estamos vivendo na atualidade, que papel poderia desempenhar uma renda básica? Limitar-me-ei a três aspectos.

Comecemos pelas consequências do desemprego. Perder o posto de trabalho provoca uma situação de insegurança econômica e vital bem estudada. Poucos podiam imaginar que a taxa de desemprego chegaria a 17,3% no primeiro trimestre de 2009, como agora constatamos. Existem previsões de alguns pesquisadores (Edward Hugh, entre outros) que chegam a estimar até 30% de desemprego para final de 2010. “A recuperação já virá”, repetem alguns com louros. E é verdade, mas quando isso ocorrer, não poderá absorver em poucos anos este monumental exército de desempregados.

Quando se perde o posto de trabalho, mas se dispõe de uma renda básica indefinida, o futuro se apresenta de forma menos preocupante. Em momentos de crise, quando o desemprego cresce aceleradamente, esta característica da renda básica cobra maior importância social.

Consequência imediata do grande aumento do desemprego, a pobreza aumentará profusamente. Foram necessárias taxas de crescimento econômico substanciais ao longo dos últimos anos para manter uma proporção de pobres em torno de 20%. A renda básica representaria um bom dique de contenção desta onda de pobreza.

A percepção de uma renda básica suporia uma redução do risco no momento de iniciar determinadas atividades de autoocupação.

Em grandes linhas, há dois tipos de empreendedores: aqueles que têm um respaldo (familiar, muitas vezes) que lhes permite incrementar um pequeno projeto empresarial de forma razoavelmente segura, e aqueles para os quais a autoocupação é a única saída de trabalho. No segundo caso, o risco em que se incorre não é apenas perder o investimento, mas perder os meios de subsistência, o que faz com que qualquer decisão de investimento resulte muito mais frustrante. Mas o risco não termina aqui: em muitos casos, a falta de um capital inicial mínimo retrai potenciais empreendedores. Em uma situação depressiva, a renda básica, além de representar um incentivo, em qualquer caso maior que sem ela, para empreender tarefas de autoocupação, suporia uma maior garantia para poder fazer frente, mesmo que parcialmente, às eventualidades daqueles para quem o pequeno negócio foi mal. Assim como a possibilidade de iniciar outro com mais possibilidades que o anterior.

Muitas pessoas que reconhecem a proposta da renda básica objetam: “Tudo isto é muito bonito, mas como se financia uma renda básica?”.

Uma renda básica que faça sentido deve significar uma redistribuição da renda dos ricos aos pobres. E isto significa falar do papel dos impostos. “Os impostos, longe de ser uma obstrução da liberdade, são uma condição necessária para a sua existência”, é a forma de expressá-lo do constitucionalista norte-americano Cass Sunstein. Os impostos e o dinheiro público podem ser empregados em usos muito diferentes. Cabe lembrar que os resgates e as ajudas aos bancos realizados até o momento nos Estados Unidos somam 12,8 bilhões de dólares. Ou o que é o mesmo: 42.105 dólares por habitante. Além disso, esta quantidade é igual a 14 vezes o efetivo em circulação (quase 900 bilhões). E se trata de uma quantidade muito próxima do conjunto do valor do PIB norte-americano.

Surpreende constatar a rapidez com que aflora o dinheiro público em determinadas circunstâncias e o tinhoso que é quando se trata de garantir a existência material de toda a população. Nos Estados Unidos chegou-se a esta incrível situação: as taxas impositivas nominais aos mais ricos foram reduzidas de 91% em 1961 para 35% na atualidade, mas quando se trata de benefícios empresariais a taxa marginal ainda é inferior. Esta grande diminuição continuada dos impostos aos mais ricos é parte da explicação da tremenda redistribuição da renda dos pobres aos ricos nas três últimas décadas. Robert B. Reich, ex-ministro na gestão de Clinton, escrevia no jornal The Washington Post, em 1 de fevereiro passado, que, se em 1976 o 1% mais rico dos Estados Unidos abocanhava 9% da renda nacional, em 2006 já acumulava 20%.

Dos estudos mais interessantes realizados para financiar a renda básica, se conclui dois aspectos de suma transcendência: é possível financiá-la e os setores da população com rendas mais baixas sairiam ganhando claramente em relação à situação atual.

Com a criação, no dia 28 de abril, desta subcomissão parlamentar para tratar de estudar a necessidade e a viabilidade de uma renda básica, abre-se a possibilidade de que esta proposta social seja conhecida pelo Parlamento e por boa parte da população.

Daniel Raventós é presidente da Rede Renda Básica e membro do comité de redacçom de SinPermiso. O seu último livro é Las condiciones materiales de la libertad (Ed. El Viejo Topo, 2007).

Artigo tirado de IHU - Instituto Humanitas Unisinos

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