sexta-feira, 22 de maio de 2009

'A minha proposta pode ser interpretada como a via capitalista para o comunismo'. Philippe Van Parijs

Cosma Orsi entrevista em Il Manifesto o filósofo belga Philippe Van Parijs.

O ingresso de existência é a oportunidade que oferece a grande transformaçom actual para garantir umha liberdade real de todos. Umha entrevista com o académico belga
Philippe Van Parijs por ocasiom da saída do seu último livro.

A te
se de
Philippe Van Parijs é expressom do pensamento democrático radical que olha a “grande transformaçom” do capitalismo como umha oportunidade para introduzir critérios de justiça social que garantam, como gosta de repetir este estudioso belga, umha “liberdade real para todos”.

Docente de ética económica e social na
Universidade Católica de Lovaina, há alguns anos divide a sua vida entre a pequena cidade na qual professa, Bruxelas –à qual vai amiúdo a ditar cursos convocado pola Uniom Europeia- e a Universidade de Harvard, onde dá aulas de filosofia social.

Van Parijs é especialmente conhecido polas suas propostas de umha “renda básica” ou “ingresso cidadão”, elaboradas há vinte anos e “refinadas” no transcurso do tempo. Umha trajectória de pesquisa que alterna textos de “filosofia social” e incursões na história do pensamento económico, condensada em inumeráveis ensaios e livros.


Na Itália estivemos a traduzir Quanta desigualdade podemos aceitar?, escrito com Christian Arnsperger (Il Mulino), O que é uma sociedade justa? (Ponte delle Grazie) [traduçom para português em Ática Editora]. Recentemente a casa editorial Egea, de Milano, publicou o volume escrito com Yannick Vanderbought Renda básica de cidadania - Argumentos éticos e econômicos
[traduçom para português em Civilização Brasileira]. E a entrevista basa-se nas teses contidas no livro.

Como sempre você é um activo defensor da “Renda básica”. Que foi o que lhe levou a abraçar essa linha de pensamento?

Som duas as principais razões. A primeira deriva da tentativa de encontrar umha soluçom às injustiças que nom se baseasse na ideia de fazer crescer o PIB, sempre mais preocupada por aumentar o ritmo de crescimento da produtividade. Em segundo lugar, guiou-me a esperança que fosse umha alternativa ao capitalismo tal como o conhecemos.

E em que direcçom? A resposta mais breve é liberdade real para todos. A justiça consiste em organizar as instituições sociais de modo tal, que garantam o máximo de liberdade compatível com um desenvolvimento socialmente sustentável a todos que gozam com menos liberdade em conduçom da sua existência de acordo com as suas crenças.

No seu último livro publicado recentemente, você define a “Renda Básica ” como um ingresso outorgado pola comunidade política a todos os seus membros, individualmente e sem contrapartida. Em que sentido a sua proposta se diferença das neoliberais e das social-democratas?

O ingresso cidadão é individual, universal e incondicional. Estas três características fazem-no totalmente diferente das políticas baseadas na avaliaçom dos meios económicos que dispõem as pessoas, como o ingresso mínimo de inserçom, adoptado em muitos países (por exemplo, na França). Introduzidos polos social-democratas, os democrata-cristãos ou os liberais, os seus esquemas constituírom um significativo progresso a respeito do sistema de apoio à renda que se baseava na segurança social de base contributiva e assistência social discricional. E respeito desses esquemas, umha imposiçom fiscal negativa constitui um ulterior progresso. O mecanismo de previdência social actualmente existente outorga às famílias a diferença entre o que alcançam a ganhar e um hipotético umbral de pobreza.

Evidentemente, esta medida penaliza toda a tentativa da parte do beneficiário de ganhar qualquer ingresso declarável: de feito, se o figesse, veria reduzidos os seus benefícios. Por outro lado, um esquema de fiscalidade negativa permite que todos desfrutem dos ingressos do seu trabalho. Daqui que nom seja necessária restriçom algumha frente quem quigerem trabalhar.

No seu livro você destaca as razões éticas que asseguram a introduçom de umha “Renda Básica”. As razões económicas limitam-se à reduçom de fenómenos negativos como a pobreza e a desocupaçom. Nom acha que haveria além disso que contribuir razões económicas a favor da sustentabilidade de sua proposta?

Da minha maneira de ver, nom é possível separar os argumentos ético-filosóficos dos económicos. É por razões éticas que nos preocupamos de fenómenos como a pobreza e a desocupaçom. Mas, por outro lado, necessitamos argumentos económicos para determinar a maneira de combatê-los com inteligência. Portanto, se há algumha cousa que justifique especificamente para o capitalismo cognitivo actual a introduçom da Renda Básica som razões de ordem ético, enquanto que na análise económica o que é preciso buscar é o modo de introduzi-la .

Considero que um capitalismo cada vez mais baseado no conhecimento reforça a exigência de combinar trabalhos de baixa remuneraçom com os benefícios dimanantes de umha forma universal de renda de existência com o benefício derivado de umha forma universal de renda de existência.

O argumento nom é que o capitalismo cognitivo tende a produzir umha procurade trabalho cada vez menor. Mais bem é que tende a distribuir o poder derivado dos ganhos de um modo mais e mais assimétrico, chegando a reduzir os salários do grosso de quem se acha embaixo de um nível de vida decente.

Desta maneira, a armadilha da desocupaçom criada polas medidas focalizadas deixa de ser um fenómeno marginal. Para evitar que a maioria da populaçom caia nesta armadilha fai-se entom necessário estender o benefício de que trabalham remuneradamente, como se viu com o famoso Earned Income Tax Credit (EITC) promovido polo ex-presidente dos EUA, Bill Clinton, e sucessivamente importado polo reino Unido de Tony Blair (Working Families Tax Credit) e pola França de Jospin (Sobressaia pour l’Emploi).

A esquerda política e sindical parece estar dividida a respeito da “Renda Básica”. Na Itália houvo um debate muito aceso no curso do ano que conduziu inevitavelmente a interrogar-se sobre a relaçom entre a proposta da Renda Básica e a cultura política do movimento operário organizado. Como interpreta esta “relaçom”?

Num artigo publicado há vinte anos com Robert Van der Veen, apresentei a introduçom de umha renda básica incondicional e o seu aumento gradativo como a “via capitalista ao comunismo”: consiste em “capitalizar” o dinamismo do capitalismo de que falava Karl Marx para aumentar gradativamente a proporçom do produto social redistribuído tanto segundo as necessidades de cada um, quanto segundo a sua contribuiçom, a reduzir gradativamente o número de pessoas empregadas em actividades alienantes. Ainda acho que esta é umha proposta sensata que permite aqueles que acreditam nos ideais de Marx olhar positivamente para umha renda de existência. Perfila-se assim umha concepçom coerente de justiça social, definindo os meios que permitem levar a sua realizaçom.

Alguns críticos consideram que mesmo que a renda básica poda fazer mais suportável a situaçom de precariedade por um breve período, nom contribuirá à luita por um verdadeiro trabalho garantido para todos. Além disso, pensam que um ingresso de existência introduzido só em nível local e só aos trabalhadores precários poderia multiplicar a fragmentaçom da classe operária…

Segundo eu a entendo, a Renda Básica nom é umha medida para fazer mais cómoda a vida de quem a percebe mesmo que nom tenha um trabalho (que também nom é o objetivo declarado das medidas focalizadas), mas um modo de ajudar a todos a encontrar um trabalho que faga sentido.

A sua universalidade coloca-a num contraste vivo com os subsídios para trabalhadores com baixos salários. Seja como for, isso vai da mão com o requisito de flexibilidade do capitalismo cognitivo. Está no interesse de todos que haja flexibilidade no mercado de trabalho, tanto para entrar como para sair dele. Como no interesse de todos está que haja educaçom e sanidade públicas.

Durante o chamado período fordista, o Estado social baseava-se na oportunidade de ter um trabalho. Hoje assistimos ao desmantelamento do sistema de bem-estar. A introduçom de umha Renda Básica, significaria um escoramento do velho Estado de bem-estar, ou haveria de levar a umha nova forma de Estado de bem-estar?

O ingresso de existência deve ser visto como o coraçom propulsor da emancipaçom para um estado socialmente activo. Nas condições actuais –que incluem nom só o “paradigma cognitivo”, mas também, por exemplo, maiores mobilidade e expectativas de vida, e a transformaçom da família— necessitamos urgentemente umha alternativa ao estado de bem-estar passivo, cujos benefícios estavam muito centrados nos economicamente inactivos.

Mas um estado de bem-estar activo nom precisa de umha forma repressiva que active políticas sociais; pode empreender umha via para a emancipaçom que remova as armadilhas perversas, que reforce a segurança mínima para a categoria social mais débil e que aumente a gama de opções de quem têm poucas.

Philippe Van Parijs é membro do Conselho Editorial de SinPermiso. Publicou o livro (escrito em colaboraçom com Yannick Vanderborgh) Renda básica de cidadania - Argumentos éticos e econômicos.

Artigo tirado de SinPermiso

Sem comentários: